quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Sua ausência

Quando nos desentendemos... no dia seguinte acordo cedo. Algo fora dos domínios dos meus costumes. E ficar acordada de manhã, para mim, é saborear uma insônia.Eu fico com a sensação de não saber se te tenho ou te perco. Aí eu me lembro de como a vida era vazia antes de te encontrar e de como eu já estava completamente acostumada com isso. Você preencheu meus dias com a sua presença e trouxe um brilho aos meus dias que parecia eterno. Não estou preparada pra me acostumar com sua ausência.


domingo, 26 de novembro de 2006

embrião congelado

Embora eu esteja realizando um trabalho reconhecidamente marcado pela excelência, financeira e ideologicamente recompensador e tenha estruturado uma rotina equilibrada que eu tanto quis pra mim, vez ou outra minha alma se revela mortificada.
Sinto falta da maneira libertina e libertária com a qual vivenciávamos um ao outro. Continuo produzindo literatura e gritando ao mundo, a infernos, e aos céus o meu amor etéreo por você. Amor esse que deixa uma lacuna incomensurável em meu ser.
Hoje me sinto moralmente confortável por estarmos longe um do outro sem chance de cometer os pecados carnais que tanto me foram caros. Mas esta paixão maldita devora-me o peito e algumas noites de sono. Não consigo sentir-te como algo bom que me conforta e me descansa. E nem com ele isso ocorre. Mas saber que existes e que por alguns momentos entrelaçamo-nos mesmo que torpe, mesmo que descompassadamente, alimenta meu espírito. Esta inquietude me impulsiona a empreender esforços sobre-humanos e a realizar milagres dia a dia para o mundo.
Queria adivinhar-te, mas o máximo que consigo é inventar diálogos com você. E esse você que eu inventei às vezes me dá alento, às vezes me fere fundo.
A sua indiferença me deixa no vácuo. E foi por isso que desisti de te adivinhar. Pois não me lanças nenhuma fagulha, seja por teu pensamento, seja por invocar meu nome (e minha presença, veladamente) numa conversa com nossos amigos em comum, seja por tuas palavras incertas que me confundem, produzindo em mim essa ansiedade incontrolada.
Apagar-te da minha pele foi o que mais perto cheguei de anular teu ser que cresce em mim. Com o mais doce do amor te embalei. Com o mais puro de mim te afaguei. Mas nossas doenças nos afastaram.

Pois de tantas sementes lançadas a esmo que, talvez, se tivéssemos coragem de combater as ervas daninhas, algo de bom cresceria.
Infelizmente eu precisaria de você pra me ajudar a cuidar desse jardim. Pois nunca cresceram flores pra alegrar uma morada que poderia ser nosso templo.
Esperei tua visita pelo tempo que esse amor durou. E como ainda não aprendi a matar o amor, congelei esse sentimento, escondendo-o de mim, com aquela quase esperança de que um dia, quem sabe, a gente retome o sentido da vida, a ordem natural das coisas. Que de sóis e luas, estações derradeiras, no ciclo, tudo se fecha, tudo recomeça. Então é difícil encarar como projeto abortado, melhor seria dizer que é apenas um embrião congelado.

Arregaço as mangas. Olho pra dentro e ao redor. Ainda há muito por fazer. É muito bom ter a sensação de te esquecer.

sexta-feira, 24 de novembro de 2006

Eminentemente novo

Tem coisas que não têm o menor sentido. Eu sinto. Sinto muito.
Não gosto de pressões, prazos para fazer coisas que só obedecem uma ordem lógica de subserviência, enganação. Atrapalha meu ócio. Faz tremer os meus ossos.
A vida burguesa tem suas compensações. Porém, para vivê-la sem estar doente, é preciso mentir. Eu não gosto de mentir. Ultimamente não tenho conversado comigo e sinto que estou escondendo coisas de mim mesma. E isso afeta tudo. Eu olho no espelho e pergunto: por quê? O que há de errado?
Eu olho pras coisas ao meu redor, essas que vivo transportando de um lugar pro outro e eu não tenho as coisas, elas me têm. Eu quero quebrar tudo. Eu estou disposta a passar fome. Eu não quero mais ser obrigada a fazer coisas que me decrescem.
Mas quando olho a porta de saída, eu sento e contemplo. Meus pensamentos estão dormentes.
Sem lógica, razão ou sensibilidade lá vou eu ficar parada.
Preciso jogar fora.
Jogar toda essa violência anônima. Parar de escutar vozes sem brilho e sem cor.

No horóscopo, palavras bonitas, pseudo-profecias:
“Não desperdice seu dia com objetivos insignificantes, pois as condições são favoráveis a grandes conquistas.
Boa chance de surgir uma oportunidade profissional. O período propicia novas conquistas afetivas, mas também induz a perdoar velhos ressentimentos. Enfim, é hora de resolver os assuntos de amor.”


Não sei de nada.
Pela estrada vou cuspindo em gente que não é a minha. A arte me toma e me estupra. Nada mais servirei para.

08/08/2006

Nem sei quem sou entrando nesse bar

Nem sei quem sou entrando nesse bar. Meus cabelos desbotados, unhas vermelhas descascadas, nem sinal de sutiã, acho que podem me ver toda a forma dos seios e não me importo. Minha cara ensebada. Amo, amo louca e desesperadamente, me vê uma da boa. Vontade de fumar. Se eu puxar essa saia mais um pouco será que arrumo um cigarro. Displicentemente que é pra não parecer presa fácil, não quero cachê, só um cigarro.

2002

Submissão Alternativa 2

Se antes eu gostava de fazer os outros de palhaço, agora parecia tão casta. Casta não, que essa inocência de virgem não tinha mais. Era submissão alternativa. O título do sentimento desse casal novo. Era bom brincar de casinha pra sempre. Pizza, cerveja, filme, novela, almoço e louça pra lavar. Mas aí de repente, trabalho, mestrado, carreira, educação. Separados e eu tentando me fazer de independente. Tentando fazer de mim uma nova personagem. Então carrego um pouco na dureza, na tristeza. Nunca mais amargura: entristece. Nunca mais doce: engorda. Em vez de gastar tudo em telefone e passagem: umas aplicações de “mata gordura localizada”, sessões de raio laser pra não sofrer na depilação. Aos poucos juntando uma fortuna que afinal compraria um futuro melhor, sem privação. Era medo de pobreza, era medo da perda da liberdade. Era medo de mentir pro coração e entrar assim num compromisso que pudesse gerar filhos. Assim me dava arrepio. Nem tesão não tinha mais. Meu cérebro era uma máquina de trabalhar. Mais objetiva como nunca. Mais produtiva, dinâmica, independente. E a solidão. Era bom ter você aqui do lado. Mas esse choro de ciúme e insegurança. Era falta de atenção exclusiva. Não posso reclamar da dedicação exclusiva a você, à faculdade. Exijo o mesmo e é tão difícil amar um futuro comum. É melhor que o futuro de um. De repente me perco como nos domingos e nem consigo imaginar um acordar mais cedo pra passar na xerocadora. Esses alunos sedentos pelo saber, como eu. Não me sinto tão distante daquele do topo. A única diferença é que não quero estar lá. Eu queria que você estivesse aqui, mas não como antes me mostrando seu ego. Queria você aqui pra compartilhar o infinito. Beber vinho e pensamentos. Ouvir música em comum, algo que nos una. Que medo de merda, de morto, da oferta de ir pro Japão ou um país que fale Alemão e assim então não nos entenderemos nunca mais. Qual é a sua língua. Por que me dói ser tão diferente? Me sinto mais eu quando sou você. Me misturo e disso sempre sai criação. Mais uma vez me reconstruindo. Todo dia mais um pouco. E se a lua pára de crescer, ela míngua. Esse amor de sofrimento de saudade de ciúme de medo do futuro. Esse amor de tentar cuidar mais de mim pra me dividir com você. O real me fere. Não entendi o que Shakespeare disse. Nunca sonhei com você. Nunca te quis pra sempre. Te quis sempre pra minha vida. Me explica o que você sente por mim. Não se mostre um desesperado que pegou a primeira carona que apareceu e se apaixonou. Não se mostre nessa mesma situação em que estou. Eu ainda sinto falta. Talvez eu tenha perdido alguma coisa que vai ficar lá pra sempre. E esse é o único pra sempre que aconteceu pra mim. Parece que você tá tão perto. Tenho um sentimento de posse tão grande e se vejo você escapando perco a razão. E viro aquela menina boba que chega no encontro meia hora antes e acaba esperando quarenta e cinto minutos porque seu par se atrasou quinze.
Uma coisa que me fere na terra é essa fragilidade da minha avó. Cada um carregando sua tragédia e eu não quero nunca mais falar da minha. Prefiro me ocupar tentando ser feliz, buscando algo que preencha meu tempo e meu vazio. Não sou vazia, só tenho um buraquinho que às vezes dói. Mas sair de mim pra doer nos outros parece pior, porque se ela está infeliz e eu sou muito feliz talvez porque você me ame. Essa é a verdade. Talvez seja essa certeza que alguém me ama, seja do jeito que for, torne essa existência muito mais suportável. Nada parece tão pesado. E então eu coloquei a palma da minha mão na tua. E não precisamos agarrar nada, porque somos um do outro. Seja lá o que isso signifique.
E assim totalmente frágil não tenho vergonha se o sou pra você. Com você posso ser tudo, posso gritar, ou não gozar. Posso ter gordura e celulite. Posso chorar. Posso me entregar e fazer tudo que seja errado ou incomum na sua frente que você me agüenta, é forte. Não foge: me procura, me segura. Segura a barra. E às vezes também chora nos meus braços. E às vezes também pensa em me deixar. Mas basta um segundo pra lembrar de tudo o que temos. Não temos nada em comum, mas temos um ao outro. E sou feliz por isso. Nosso desencontro, nosso descompasso nos torna o que somos, o que fomos. Nos faz mais verdadeiros. Eu amo você porque você é real. Porque é verdadeiro, sincero, e assim como eu, não tem tempo pra máscaras. Não tem tempo de se preocupar em fugir ou se perder, porque afinal temos uma vida inteira pela frente pra amar. Viver sonhar conseguir. E poder dizer “valeu a pena” é o maior dos prêmios.

2004

Submissão Alternativa

Mas o que era essa menina afinal? Talvez pudéssemos dizer que era doce. Com suas mãos bonitas, finas, macias. Talvez seus olhos claros refletindo todo e qualquer sentimento. Talvez fosse a boca que dizia tudo, um nariz pequeno, sobrancelhas grossas, os cabelos ondulados, mas seus óculos sisudos lhe davam um ar de seriedade, lhe acometiam à intensa atividade intelectual. As unhas vermelhas um tom meio fatal com que ela conseguia seus homens. O sorriso era bonito, as lágrimas manifestação da sua alma. Talvez fosse mesmo uma mulher, talvez não completamente mas o bastante para sofrer... de amor e submissão alternativa. Talvez precisasse mesmo entrar no mundo como se fosse ela mesma, talvez ela ainda não exista por força de intervenções externas. Talvez precisasse fazer ioga, talvez meditação, talvez.

2002

o que vou ser

Eu já pensei em ser puta. Mas acho que a miséria de uma yuppie é insuperável. Uma mulher independente, bem sucedida profissionalmente, casa, carro, celular, micro do ano, DVD, home theater. Mircro -ondas... sessões de psicanálise, Yoga, acupuntura./// Estresse controlado. E sozinha. Parece que é esse o grande fantasma. Isso se não for mãe solteira com um adolescente problemático. Eu também já fui uma adolescente problemática. Mas ninguém soube lidar comigo. Aí é que está. Que quero da vida? Senão.. ter companhia? Por isso me humilho, me submeto a coisas horríveis. Sim... e converso com pessoas pela Internet. Pessoas que talvez eu nunca encontre, e se encontrar talvez não seja a mesma coisa. A vida é uma festa... e a minha é a rigor. Crianças são bichinhos interessantes, mas o trabalho que dão.. só mesmo com babá.. A, sim, esqueci os CDs... se bem que quando eu for muito rica, acho que só vai ter MP3, ou algo assim. Não sei. Também vou trabalhar com informática. É muito interessante. É... a tecnologia vem aí e eu já sou do século passado. Sinto até meus gostos um tanto quanto demodê... Até a palavra demodê é demodê... mas é isso. Perdi tempo ontem... mas foi legal conversar com o Daloski, o cheguevara e o sorriso. Os dois últimos foram virtuais... mas tudo bem.. quer algo mais virtual do que trocar idéias? Só mesmo o sexo pra ser real. E o último caso era real demais pra mim. Pra ele, também, com certeza. Quando começou a se tornar platônico... nas horas vagas, lembranças amargas... melhor cortar, mesmo, assim no começo não tenho tempo pra coisas sentimentalóides... pareço um adolescente ridícula suspirando pelos cantos... mas I'm needing sex. E é complicado. Eu até ia ficar com o cara pra transar... mas aí comecei a gostar dele e a me segurar, quando resolvi me soltar o cara já tava muito solto.. pra outras bandas... nunca mais vi. Também não me interessa mais. Fico até assustada com minha praticidade. Quero sexo e troca de informações. Acho que o amor que eu tenho pra dar é tipo uma gratidão... complicadíssimo aquela entrega total, incondicional... agora existem muitas condições a se pensar... não posso me dar ao luxo de entrar em relacionamentos complicados...

2002

Roberto

“Curitiba, 15 de Abril de 1998
Roberto,
Hoje foi um dia especial para mim, queria que você estivesse aqui.
Liguei pra mãe, hoje é aniversário dela. Lembra como você adorava aquele bolo de fubá? Pois é... Aposto que ela fez aquele bolo. Você sabe que a mãe gosta das coisas simples. Só que esse bolo nem eu, nem você pudemos comer. Você ainda tem mais chances que eu. Afinal você mora na mesma cidade que ela. Já eu...
Sabe que esse curso que eu estou fazendo na capital está dando lucro? Já dei entrada nos papéis e tão logo me chamem já estarei estagiando. Hoje é que eu mandei a papelada toda. Estou com muita esperança, Roberto. Torça por mim.”

“Curitiba, 27 de Abril de 1998
Roberto,
Hoje já faz um semana que eu comecei o estágio. Eu estou começando a ajudar os peixes grandes. Digitei as reportagens todas do segundo caderno. Aquelas aulas na escola de datilografia da Diva estão sendo muito úteis. Mas aqui eu não bato à máquina, não. É tudo no computador.
Esse computador, todo mundo diz que é complicado, que tem que fazer curso, mas uma garota, a Cíntia, com quem eu fiz amizade, disse que nem precisa fazer curso, que se aprende sozinho. E é mesmo, Roberto. Para pedir para aumentar a letra, gravar, essas coisas, é só colocar a mão num negócio chamado mouse, que é rato em inglês, só que parece mais um sabonete. Esse sabonete tem uma flechinha correspondente na tela. Aí você vai empurrando o sabonete até a flechinha ficar em cima do que você quer que o computador faça, quando isso acontecer é só apertar um botão zinho no sabonete. Só que eu nem mexo muito com o sabonete. Eu mexo mais no teclado, que é bem mais delicado que o da máquina de escrever. E é por isso que a Cíntia vive dizendo: ‘Cuidado com essas teclas, menina. Isso aí não é máquina de escrever.’ Essa gente é metida a saber de tudo, né? Sabem até o que a gente não fala, eu não falei pra ninguém que batia à máquina.
Eu estou adorando fazer estágio, daqui a pouco sou eu que vou estar falando que nem eles.
Mesmo que eu mude, não vou me esquecer de você. Confie em mim.”


“Curitiba, 5 de Maio de 1998
Roberto,
Hoje estou com muito trabalho. Estou fazendo uns exercícios para melhorar a minha redação. Assim eu posso revisar o que eu estou digitando. Sem precisar perguntar para outra pessoa. E como carta também é redação, estou escrevendo essa para você.
Não liga que eu troque de caneta. É que isso aí de cima eu fiz quando a Cíntia estava aqui. Ela é que está me ajudando muito. Trouxe um monte de livros de como escrever, e também alguns livros de história. Gosto muito do Machado de Assis e ela tem uma coleção enorme de livros dele.
Agora eu vou falar das coisas mais pessoais. Eu sei que vai ter festa da padroeira da cidade, Sant’Anna. Mas esse ano eu não vou poder ir. Na festa do ano passado a gente já não estava mais junto e eu me lembro que você aprontou bastante. Ai, Roberto, respeite que eu não estou aí, não extrapole dos limites. Um dia você vai ver que esses comportamentos não levam a nada. Já passou da hora de se ajuizar. Você vai ver que quando você tomar juízo a vida vai ficar bem mais leve.”

“Curitiba, 20 de maio de 1998
Roberto,
Está quente aí? Tomara que esteja e que mão estrague a festa por causa do tempo.
Aqui está chovendo, chovendo muito. Nem sei quando vou pôr a carta no correio, mas mesmo assim estou escrevendo. Talvez quando a carta chegar, já tenha até acabado essa festa. Essa chuva... Lá na redação chega um monte de coisas relacionadas à chuva. Que enchem os rios, inundam alguns bairros. Para essa gente é ruim que chova, pois eles perdem as suas coisas, tem gente que perde até as casas. Uma tristeza!
Mas a chuva para outras pessoas é uma benção. Para os agricultores aumenta a produção. E eles adoram que chova. É bom pra todo mundo, aumenta a produção e daí se tem o que comer. Aumenta também o lucro do país.
Tem tantas outras coisas sobre chuva. Tem até uma crônica... Sabe o que é um crônica? Crônica é quando uma pessoa escreve sobre um determinado assunto e coloca a opinião. Não é que nem reportagem que só conta as coisas. Eu não me dou muito bem com esse negócio de pôr a opinião no jornal. E se ela estiver errada? Melhor mesmo é só dar as notícias, que nem no jornal do pai aí na cidade.
Mas essa crônica me chamou a atenção. Falava que os antigos agricultores da Europa não sabiam por que chovia, mas eles sabiam que quando chovia a plantação crescia. Então passaram a associar a chuva com coisa boa. Quando chovia, vinham junto com a água os trovões. Eles achavam que os trovões existiam porque um deus chamado Thor tinha um martelo, e quando ele queria que chovesse, batia esse martelo. Eles gostavam muito desse deus Thor, porque era ele que fazia crescer a plantação. O autor finaliza dizendo da sabedoria que as pessoas têm, mesmo quando inventam histórias. Exemplo disso é a história de Thor que tem uma coisa bonita de ilusão com fundo de realidade.
Eu achei isso tudo muito poético. E você, Roberto?”

“Curitiba, 27 de Maio de 1998
Roberto,
Sabe aquela carta da chuva? Pois é... Você deve ter percebido que não atrasou, né? É que – veja só que coincidência – eu estava falando para a Cíntia que eu tinha escrito uma carta para você e que se essa chuva não parasse ia atrasar a correspondência. E eu não queria que atrasasse porque estava falando da festa e se quando a carta chegasse já tivesse acabado a festa aí a carta ia ficar meio sem sentido.
Aí veio um rapaz que escreve pro jornal e trouxe umas coisas dele para eu arrumar. Ele me chamou, falou que estava com pressa que tinha que ir levar umas coisas no correio. Aí eu até pensei em pedir pra ele, mas o moço tava com uma cara meio brava e eu não falei nada. Só que a Cíntia, que é meio cara-de-pau, falou pra ele levar, por favor.
Quando eu fui dar os trocados dos selos pra ele, ele ficou mais bravo e até gritou comigo. Disse que não ia ficar se lixando por uns míseros centavos. Veja só que absurdo!
Essa gente da capital é muito nervosa. É por isso que eu tenho saudade daí. Se fosse aí, iam dizer ‘que é isso, não precisa’. Mas não, gritam, falam as coisas de um jeito que parecem que estão brigando.
O moço até que era bonito, mas de ficar bravo, gritando já fica um tanto feio. Estou com muita saudade daí... Não sei quando vou voltar. Cada dia tem mais coisa pra fazer...”

“Curitiba, 3 de Junho de 1998
Roberto,
Sabe aquele moço que levou a carta da chuva pra mim no correio? Você não vai acreditar: foi ele quem escreveu a crônica! Que coisa esquisita, né? Mas mais esquisito ainda foi como eu fiquei sabendo que ele é quem escrevia as crônicas.
Esses dias ele chegou com mais uma crônica, essa falava de cartas. Falava umas coisas muito interessantes de carta... Que carta é um pedacinho de vida enfeitado pelas palavras e eternizado num pedaço de papel.
No meio da crônica ele conta tudo! Sem a menor vergonha. Ele conta que foi levar a carta para uma fada – ainda por cima me chama de fada! – e que não resistiu e abriu a carta. Disse que quando abriu a carta teve uma surpresa. A carta era pro Roberto. Você, Roberto. O nome dele também é Roberto! E por um momento ele pensou que a carta fosse pra ele. Lendo aquelas linhas ele teve uma segunda surpresa: a carta mesmo não sendo pra ele falava dele – ou da crônica dele. Ele disse nessa nova crônica que só a escreveu porque a última frase da carta era ‘E você, Roberto?’ Aí ele pensou ‘Essa pergunta é pra mim.’ E começou a escrever.
No fim ele fala que eu conversei com dois Robertos numa cartada só. E o cara-de-pau ainda escreve isso na maior! Viola a minha correspondência e sai contando por aí... Será que as pessoas que lêem sabem que isso é real?
Roberto, Roberto. Estou me sentindo estranha. As pessoas se comportam de um jeito muito estranho... Eu não sei mais o que esperar da vida! De repente eu estou aqui nessa cidade tão diferente daí. E as coisas são tão diferentes!
Bom, Roberto, você já deve estar cansando de ler... Essa carta está comprida demais... Tudo culpa do outro Roberto.
Ah! Manda o cartão para a sua irmã. Eu não esqueci o aniversário dela.”


“Curitiba, 10 de Junho de 1998
Roberto,
Definitivamente essas pessoas da capital são muito estranhas. Fui tirar satisfações com o tal do Roberto sobre ele ficar lendo as minhas cartas. Como ele tinha sido tão bravo aquele dia que ele mandou a carta da chuva (e leu também!), eu pensei que ele fosse ficar bravo de novo, dessa vez por eu ter gritado com ele. Em vez disso ele me disse que eu tinha toda a razão. Que ler cartas era uma coisa muito pessoal, mas que tinham cartas que são bonitas e todo mundo devia poder ler. Que, por exemplo, aquela carta da chuva (ele também chamou de ‘carta da chuva’) foi muito importante pra ele, que ele tinha gostado muito da carta. Aí ele perguntou se eu tinha gostado da crônica e eu disse que tinha gostado muito da crônica.
...Ele falou que eu escrevia bem, perguntou se eu escrevia sempre. Eu disse que escrevia sempre para você e ele riu. Na hora eu pensei que ele tinha rido que nem a Cíntia que riu quando eu disse que escrevia para um ex-namorado. Mas aí eu lembrei que ele não me conhecia e que não iria adivinhar que você é meu ex-namorado. Não sei o que me deu pra pensar que o bocó ia saber da minha vida. Ele só me leu em uma carta e uma carta não é uma vida, é só um pedacinho dela, como ele mesmo disse... ou escreveu.
Nessas histórias de dizer e escrever. Ele me pediu para escrever mais. Aí eu falei que tudo bem que o nome dele era Roberto, mas eu escrevia para outro Roberto. E ele disse que se ele era Roberto, eu estava escrevendo pra ele também... Confundiu sua cabeça? A minha também.
Esse Roberto está virando a minha cabeça... Sem querer acho que já comecei a escrever mais. Acho que está sobrando alguma coisa nessas cartas.”

“Curitiba, 17 de Junho de 1998
Roberto,
Aquela última carta que eu te mandei dei pro Roberto ler. Por que você não me respondeu? Será que também concordou que estava sobrando alguma coisa nessas cartas? Ou será que achou a carta comprida demais e nem terminou de ler? O Roberto gosta das cartas compridas. Ele diz que é muito gostoso me ler. Que dá vontade de responder. Já você... me manda umas cartas bem curtinhas, mais contando do pessoal daí. O Roberto disse que suas cartas são monossílabas. Achei isso muito engraçado.
Em vez de você me responder a carta, quem me respondeu foi o Roberto. Ele disse que as pessoas da capital são mesmo muito estranhas. Vivem cheias de coisas para fazer, que são escravas do relógio e é por isso que ficam bravas o tempo todo. Ele disse que já sabia o que estava sobrando nessas cartas. Vou terminar por aqui para não sobrar essa daqui também... Nem sei se você responde mais...”

“Curitiba, 24 de Junho de 1998
Roberto,
Toda a vida eu sempre amei o Roberto. Desde pequena. Escrevia sempre o nome dele no caderno, no vidro embaçado da janela... Aí a gente começou a namorar. E eu continuei o amando mesmo depois da gente ter se separado. Eu vim estudar pra cá e escrevia cartas pra ele para eu não me sentir tão distante dele. Mas eu percebi que mesmo nessas cartas eu estava ficando cada vez mais distante dele porque eu comecei a me aproximar de você. Escrevia cartas pro Roberto, mas eu não escrevia mais pra ele. Escrevia pra você.
É por isso que eu não fico brava de você não ter colocado a carta do nosso encontro no correio. Eu concordo com você, o que estava sobrando nas cartas era você. Mas discordo quando você diz que você está sobrado na minha vida. Não está. As cartas sempre contaram da minha vida e ultimamente elas só falavam de você. Você acertou quando pegou a carta do nosso encontro pra você. Foi o nosso encontro. E essa carta é o encontro das nossas cartas.
Comecei com um Roberto e estou terminando com outro. Terminando? Não. Estou começando. Começo a viver agora o Roberto das crônicas que gosta de escrever e de ler. Hoje estou escrevendo pro Roberto certo.”

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

Carta para uma Puta Poeta

Ponta Grossa, 21 de junho de 2002

Cara amiga Puta Poeta,

Sabe, amiga... Nunca vou ser normal. Parece que eu sou uma pessoa ativa, decidida, determinada. Mas não consigo me livrar das dependências, de meus vícios. Como no amor, na paixão. Se alguém me toma com propriedade, comporto-me como tal. Eu faço tudo que está ao meu alcance para agradar, cuidar, fazer feliz e não perder quem amo. Vejo que já tenho fãs. Não porque sou bonita, dieta, strech, ginástica e maquiagem. Você viu? Ando sempre tentando passar despercebida, e quando uso a maquiagem para realçar minha beleza, as pessoas me notam. As pessoas querem que usemos máscaras para que fiquemos mais perto do que eles esperam de nós. Por isso bebo. Para fugir das máscaras que eu própria quis vestir para ficar mais perto do que eu queria ser. Estou aqui fazendo papel de MARIA novamente. Sofrendo pelos outros, me doando sem querer nada em troca. Tudo o que mais quero, o que mais desejo é o que possa vir de mim mesma. Quero me libertar, flutuar, gozar, rir até cair. Rir e gozar até chorar. Meus olhos são sensíveis, míopes e sensíveis. Enxergo o mundo todo desfocado porque enxergo demais. Meus olhos são muito grandes para ver o superficial. Então uso meus óculos para ver se tento me encaixar nesse mundo, mas quantas vezes eu já não quebrei as essas lentes, quantas vezes quis escondê-las por vergonha. Está na cara, diante de minha face que eu não sou igual a todos que vêem o mundo perfeitamente. E você sabe que o perfeito é aquilo que não temos. Como aquele meu amor que nunca tive e ainda fica aqui tentando ser lindo. Era tão puro que me dá raiva. Foi tão auto-suficiente que se torna incompreensível quando ponho meus óculos para vê-lo. Só espero que a maneira como eu toco os sentimentos seja como miopia: progressiva.

Sentimentos,
Sua amiga Puta Poeta

É isso

Eu bebo guaraná, mas não adianta. É sede do seu beijo o que eu tenho.Um desespero inoportuno me tomou ontem à noite. Nem as músicas me consolaram. Nem a paz de estar a sós comigo mesma me deu forças pra suportar a sua ausência. Ou seria a constatação da sua presença na minha solidão?Dessa vez pude perceber que não é na casa que seu cheiro fica, é em mim.Eu andando pela rua com aquela sensação morna de ter ficado perto de você. O que é que você deixa em mim? Por que deixa isso em mim? É tão diferente das páginas que viro todo o dia. Você é sempre a frase que causa efeito, mesmo que eu vire a página. Página virada ou não, lá está aquele eco na cabeça.E eu sei que é tudo um cálculo. É só uma equação. O resultado é eu ficar assim, pensando em você. Eu sei que ou é premeditado ou você está realmente distraído desse amor que escapa de você pra mim.A palma da tua mão. O carinho. Mas você não pode premeditar teu cheiro. Nem o brilho dos teus olhos. Nem a fuga dos teus olhos. Eu estou mirando tudo. Estou atenta. E mesmo que eu esteja na sua mira, eu estou te encarando. Não dá para saber quem domina quem. Por mais que eu queira te destratar, é sempre difícil. Uma difícil decisão. Porque meu corpo diz que você não merece que eu te maltrate. Porque meu corpo ta apaixonado por você. Então eu preciso não olhar pra você quando faço alguma maldade. Porque se você olhar pra mim, vai ver que não tem maldade nenhuma. Que são apenas palavras vazias. Que meus olhos pedem perdão por aquilo que digo.

E foi só falar nisso que tive que me despir pra te receber melhor. Pra lembrar de você melhor.

Eu não sabia que ia ser assim. Mas meu corpo não sabe dizer não. Então eu apenas sigo sem razão nenhuma. E quando me dou conta é tesão, carinho... e o amor eu invento pra dizer que é isso. E é isso.

23/11/2006