terça-feira, 18 de dezembro de 2007

- II -

Quando se foge de si mesmo e se quebra todos os espelhos, as referências daquilo que se foi nunca são o bastante pra tentar se dizer o que se é.
A despeito de haver documentos que comprovem minha existência, experimento a sensação de não ser.
A vida nunca me foi tão sem gosto, sem cor, sem ar. Parece que todos os excessos hedonistas e passionais gastaram meu tato, meu olfato, paladar. Nada consigo degustar. Não consigo sequer construir uma visão, emitir opinião. Não consigo me despir de mim pra poder me enxergar. Não ouço mais aquela voz interior que eu julguei ser minha. Mas agora que não sou eu, não a ouço nem sei identificar o que seria.

De mim, agora, talvez ruínas. Mas não estou bem certa disso. Pois não consigo me lembrar do que teria sido antes de arruinar-se.

Chego a pensar que eu vivia em sonho. E agora não sonho mais. Sempre foi minha imaginação que me fazia sentir, ver a vida de tantos ângulos variados. Sempre desconfiei do meu otimismo, da irritante esperança. Meros estados alterados de consciência, fugas das tragédias pessoais. Como eu poderia examinar a minha realidade sem um pouco de devaneio? Sem esses ingredientes amenizadores...

Coisas como valor perderam totalmente o sentido. Que valor há em se colecionar tragédias? Que valor há em se respirar fundo e cinicamente ainda querer continuar vivendo isso que chamam de vida? Quando se vai longe demais, não tem volta.

Busco explicações sobre o que vivi e vivo. Sempre achei que eu era muitas. Agora tenho certeza. Eu sou ninguém e interpreto papéis. O divertido era quando eu escolhia os papéis. Esses que agora interpreto, não foram idéia minha.

O pior de ser uma personagem é quando não se tem um narrador. Onisciente, onipresente, onipotente. Eu dava-me vida, criadora e criatura.

Hoje estou vazia, mais vazia que tudo. Nem mesmo minha melancolia, minha solidão me dão alento. Quando se descobre que você é aquilo que não gostaria de ser, não há julgamento, não há acusação nem defesa. Você está simplesmente condenado a isso.

Um comentário:

Canto da Boca disse...

Não tem uminha carta na manga que finde essa catarse(?), ou esse estado meio-sei-lá-ficcional?
;)